"É um ato de luta estar aqui dentro": Licenciatura em Educação do Campo e os sentidos da formação na Universidade Federal de Rondônia

Abstract

O problema fundiário pode ser considerado o maior entrave no Brasil e América Latina, destacando-se a distribuição desigual de terras através do sistema de grilagens, pelo qual se intensificou o latifúndio e o agronegócio no país. Estes foram propulsores da saída de muitos moradores do território rural e de um sistema de vida precário para quem nele permanecia. Desse modo, os fatores de descaso e a falta de acesso a políticas públicas impulsionaram povos a se articularem através de lutas por diferentes movimentos sociais, como a educação do campo, que busca promover uma educação voltada às questões das comunidades e pelo qual foi conquistada a implementação do curso de Licenciatura em Educação do Campo, visando a formação de docentes que possam atuar no campo a partir da realidade local. Nessa constante, entende-se que o compromisso da psicologia que se caracteriza, historicamente, por uma estrutura urbanizada, tanto no sentido territorial como de classe social, devendo aprofundar-se nas questões do campo, operacionalizando práticas comprometidas com a luta junto aos diversos aspectos dos povos rurais. Com isso, essa pesquisa teve como objetivo conhecer as trajetórias e o cotidiano de estudantes do curso de Licenciatura em Educação do Campo da Universidade Federal de Rondônia (LEDOC/UNIR) e os sentidos políticos da articulação entre suas histórias de vida e a entrada na universidade. A perspectiva teórica utilizada foi a do construcionista social, no qual se entende que os sentidos se constroem através das relações cotidianas. Partindo disso, foram realizadas junto a estudantes do 4.º período do curso de Licenciatura em Educação do Campo, no Campus Rolim de Moura da UNIR, observação participante, um grupo focal com 15 estudantes e duas entrevistas narrativas. Os relatos das trajetórias de vida apresentam marcas da realidade da questão agrária no país, como despejos, violências e a falta de políticas sociais. Destacam-se as lacunas durante a escolarização básica, a falta de investimento em políticas educacionais e o fechamento das escolas no campo. De modo geral, os/as estudantes apresentaram satisfação por estarem em uma universidade pública, e que esse formato de curso, através da pedagogia da alternância, possibilita a entrada na universidade de pessoas que antes nem se imaginavam nesse espaço. Assim, o sonho de retornar para atuar no lugar de origem, rompendo com o sistema de educação precário e urbanocentrado é um aspecto marcante nos relatos. Contudo, também apareceram dificuldades no processo formativo, como as vivências dentro da universidade que são atravessadas por preconceitos que se manifestam nas relações com estudantes de outros cursos, o receio sobre como serão as possibilidades de trabalho e da própria formação devido aos retrocessos políticos no governo Bolsonaro. Por fim, entende-se que o curso de LEDOC possui um significado que vai além do processo formativo, influenciando, também, no resgate de povos, culturas, identidades e no fortalecimento das comunidades do campo. A partir disso, esse estudo convoca contribuições na produção de conhecimento e da práxis profissional das várias áreas da psicologia, reconhecendo que o campo é plural e merece seguir sendo sistematizado e analisado, de modo a considerar e valorizar suas singularidades.